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Pacificação e presença lusa do território palmeirense: início do século XIX

 

Henrique Pereira Lima

 

O território de Palmeira das Missões, mesmo antes da constituição do município em 6 de maio de 1874 ou de sua efetiva instalação em 7 de abril do ano seguinte com a posse da primeira Câmara de Vereadores, conheceu o sabor das animosidades sociais, econômicas e políticas. Diversos conflitos tiveram lugar nesta espacialidade que outrora ocupara uma área de “[...]13.200 [...]” km² (SOARES, 2004, pg. 127) do Planalto Rio-Grandense, sendo a posse da terra, ou pelo menos o direito ao seu uso, a razão imediata com frequência. O advento da República no Brasil, longe de constituir-se em uma ideia-força capaz de pôr fim às disputas, acirrou-as, sobretudo em virtude do coronelismo, que por si só oferece excelente base para a compreensão da política da Primeira República.

Historicamente, temos que o trânsito humano de matriz europeia no Rio Grande do Sul, sobretudo na região Noroeste/Planalto, teve no processo jesuítico um importante fundamento social, apesar de seu forte caráter pendular. Já a ocupação de caráter permanente nesta região, se consolidou após o período jesuítico no Rio Grande do Sul, sendo o início do século XIX o momento mais relevante deste processo.

O território de Palmeira das Missões insere-se geográfica e, historicamente no Planalto Rio-grandense, e, consequentemente, se conecta aos processos que aí tiveram lugar. Neste ínterim, temos que:

 

O território do Planalto rio-grandense formava um imenso platô que se estendia de São Francisco de Paula de Cima da Serra à Cidade de Itaqui e vila de São Borja, numa extensão de mais de 100 léguas sobre 40 de largura em alguns lugares, e em outros mais de 50 de serra a serra; tinha por extremo a leste os municípios de São Francisco de Paula e Vacaria, pelas suas respectivas divisas com a Província de Santa Catarina, descendo pelo rio Pelotas, que faz as mencionas divisas até constituir-se o rio Uruguai, limitando com a Província do Paraná (anterior à questão do Contestado) e Confederação Argentina até a confluência do rio Ibicuí; divide pelo sul e leste, com a Província do Rio Grande pela Serra do Mar, entre outras delimitações divisórias aturais e pequenas vilas; compreendia os seguintes municípios: São Francisco de Paula, Vacaria, Lagoa Vermelha, Passo Fundo, Soledade, Palmeira (das Missões), Cruz Alta, São Martinho, Santo Ângelo, São Luiz, São Borja, Itaqui, Boqueirões, São Francisco de Assis e São Vicente. (MACHADO, 2009, p. 10).

 

Nesse sentido, e dentre os processos históricos que tiveram aí seu desenrolar, a expedição do alferes paulista Atanagildo Pinto Martins, em 1816, de certo modo é emblemática, ao passo que atingiu esta região de modo abrangente. Esta expedição ao buscar um caminho tropeiro alternativo (mais curto) aos já existentes entre a região missioneiro rio-grandense e a região sudeste do Brasil, apresentou-se como uma das justificativas para o incremento colonizador, haja vista a produção de relatórios que registraram e divulgaram esta região.  De fato,

 

O novo caminho seguido em direção à região missioneira, conhecido como “Vereda das Missões” marca o início da fase de apropriação das terras e a instalação de estâncias pastoris, dando início ao povoamento efetivo do Planalto Médio, incorporando essa região ao domínio lusitano (SANTOS, 2010, p. 08).

 

O reconhecimento do território que viria a ser Palmeira das Missões e, assim, sua integração ao sistema colonial ibérico tem em dois fenômenos suas causas mais evidentes: o primeiro localiza-se já no século XVII, quando então, a ação missioneira se espraiava pela América. Neste contexto, grande parte do Rio Grande do Sul que constituía a antiga Província Jesuítica do Paraguai foi visitada, mapeada e assim, incorporada ao patrimônio territorial jesuítico-missioneiro-europeu. O segundo fenômeno constitui-se nas expedições demarcatórias que desde o Tratado de Madri (1750) transitaram pelo território. Assim, rios e relevos foram identificados e batizados; ervais foram descobertos e explorados; campos foram utilizados para a constituição estanciais e sesmarias foram doadas. A ocupação deste território, entretanto, apenas vai se constituir em um fenômeno sistêmico a partir da conquista das Missões (1801) e da assinatura do Tratado correspondente a esta ação militar: o Tratado de Badajós, no mesmo ano.

Nesta conjuntura geral, ganha evidência a sugestão de que, até a definição da posse territorial entre os Impérios Coloniais Ibéricos (Espanha e Portugal) com Badajós, desde o Tratado de Tordesilhas (1494) a autoridade e a posse territorial gravitavam mais em torno das armas do que das leis, tornando incerto e, até mesmo inviável, empreendimentos privados ou estatais. Assim, “[...] a forte instabilidade na região e falta de definição da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, fez com que a região do Planalto Médio permanecesse pouco habitada até a década de 1820” (SANTOS, 2010, pg. 09).

Em certo sentido, a formação de núcleos urbanos na região do norte do Rio Grande do Sul (Planalto) ganha relevo no início do século XIX, provavelmente em decorrência da definição das fronteiras entre Portugal e Espanha e a consequente ação luso-brasileira com vistas a posse do território. Entretanto, os movimentos migratórios espontâneos (sem controle estatal) de caráter sazonal, pendular e até mesmo definitivo, não devem ser desconsiderados enquanto processo colonizador. Mormente os movimentos espontâneos de ocupação e exploração de terras no Rio Grande do Sul decorriam da iniciativa de populações pobres (com frequência ervateiros que se dirigiam ás matas) que, sem domínio da escrita, não deixaram registros de suas ações. Apenas são "vistas e ouvidas" quando as autoridades locais / regionais lhes impunham obrigações fiscais, ou então as desalojavam das terras ocupadas.

Enquanto movimento de caráter oficial, possui papel fundamental neste processo de apropriação lusa do território a “[...] Expedição de 1816 comandada pelo Alferes Atanagildo Pinto Martins, que ficou conhecida como “Vereda das Missões”, [quando] houve um aumento do fluxo migratório de paulistas e paranaenses para o Planalto com o objetivo de formarem estâncias pastoris dedicadas à criação de animais e invernada das tropas. (SANTOS, 2010, pg. 09). Nesse sentido temos que o ingresso da região ao patrimônio territorial luso-brasileiro leva ao incremente do trânsito e ocupação local, de modo que são deste século duas importantes estradas: “a Estrada das Missões (Caminho das Tropas), que cortava todo o território de Santa Bárbara, e a Estrada das Carretas que seguia rumo a Palmeira das Missões (usada para escoar a produção de erva-mate)” [...] (SANTOS, 2010, pg. 09), dentre outros caminhos que ligavam o Rio Grande do Sul ao sudeste brasileiro.

 

 

Referências:

LINARA CRISTINA DOS SANTOS, Linara Cristina dos. A influência do tropeirismo na formação histórica de Santa Bárbara do Sul: século XIX. TCC. Unijui, 2010. Disponível em<http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/608/C%C3%B3pia%20de%20LINARA%20TCC%20UNIJUI.pdf?sequence=1>. Acesso em maio de 2018.

 

MACHADO, Ironita Adenir Policarpo. JUDICIÁRIO, TERRA E RACIONALIDADE CAPITALISTA NO RIO GRANDE DO SUL (1889-1930). Tese de Doutorado. PUCRS, 2009. Disponível em:<http://meriva.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/3986/1/000412981-Texto%2BCompleto-0.pdf>. Acesso em junho de 2018.

 

SOARES, Mozart Pereira. Santo Antônio da Palmeira: apontamentos para a história de Palmeira das Missões, comemorativos do primeiro Centenário de sua emancipação política. 2ª ed. Porto Alegre: AGE, 2004.

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