A ocupação da “Grande Palmeira”
Henrique Pereira Lima
A presença de comunidades nativas na espacialidade palmeirense é expressiva e, fartamente explicitada, em documentos oficiais, e relatos de viajantes. Maxiliano Beschoren, por exemplo, registra um intenso contato entre colonizadores e comunidades nativas, tanto de forma belicosa, quanto de modo pacífico, estabelecendo contato estreito com algumas destas comunidades, normalmente, acomodadas em terras no modelo de reserva indígena. Registra-se que, no final do século XIX, grande contingente de indígenas “[...] submetia-se às ordens dos religiosos, [enquanto] outros preferiram a liberdade, emigrando para a província do Paraná, onde, com suas caçadas, exploravam as imensas florestas do rio Uruguai e Paraná.” (Beschoren, 1989, p. 43).
Assim, temos que a ocupação do planalto relaciona-se com a apropriação do espaço e seu uso. A “[...] cobertura vegetal do planalto [que] divide-se entre campos nativos e florestas [...]” (Zarth, 1997, p. 25) permite a emergência de dois modelos de apropriação do espaço: o extrativismo da erva mate nas florestas e “[...] as estâncias de gado, aproveitando-se das condições naturais propícias e seguindo-se o modelo geral do Rio Grande” (Zarth, 1997, p. 25), nas áreas de campo.
Com relação aos colonizadores, em uma primeira percepção, ainda que superficial, distingue-se o que viriam a ser os “proprietários” e os “não proprietários”, estes designados “[...]de ervateiro nas regiões dos ervais [...]” (Zarth, 1997, p. 47), ou ainda, “caboclo[1]” que seria um “[...] peregrino, extraindo erva-mate nos ervais públicos para a venda a particulares e a comerciantes. A erva, nos séculos XVII, XVIII e XIX, é exportada para grandes mercados (...)” (Rückert, 1997, p. 81).
A partir do século XIX, nas “[...] áreas chamadas de ‘campos da Palmeira’, [...] se instalou a pecuária extensiva, [...] sendo deixadas de lado as áreas cobertas de mata” (Ardenghi, 2003, p. 62). A partir deste momento, surge de modo mais evidente a figura do estancieiro, investido de poder econômico e, em consequência, muitas vezes, de poder político.
As matas, dada suas características naturais inicialmente não foram aproveitadas na pecuária extensiva, viabilizando a sua ocupação informa. Eram os chamados caboclos, também chamados de nacionais, mas com mais frequência, denominados intrusos nas terras que já ocupavam (por não possuírem o título de propriedade), assim como os próprios indígenas, confinados em reservas que paulatinamente, eram recortadas pelos seus administradores. Esta população vivia da extração dos recursos naturais, com pequenos roçados e notadamente da exploração da erva-mate, até quando em 1850, a “Lei de Terras” promoveu a valorização da terra e sua posterior privatização.
Neste cenário, onde a terra passa a ter valor, para além de sua capacidade produtiva, “a Lei de Terras não favoreceu a posse dos pequenos proprietários [...]” (Ardenghi, 2003, p. 64), devido ao custo do registro. Assim, os territórios não registrados, ou passam para o Poder Público, ou são registradas por indivíduos que, através do poder político, ou econômico, registram territórios muitas vezes já ocupados. “À medida que ocorria a valorização das terras, eles [os grandes proprietários] buscavam assegurar o controle da maior parte das áreas (...) como reserva de valor.” (Ardenghi, 2003, p. 64). Como resultado desta política, tem-se a “[...] intensificação da privatização de zonas com ervais, [...] [na] década de 1860 [...] [e o] início de conflitos entre os posseiros pobres e as oligarquias pecuaristas” (Rückert, 1997, p. 84), como uma das marcas do enredo da “Grande Palmeira”.
Referências:
ARDENGHI, Lurdes Grolli. Caboclos, Ervateiros e Coronéis: luta e resistência no norte do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: UPF, 2003.
BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especializações e abordagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
BESCHOREN, Maximiliano. Impressões de viagem na província do Rio Grande do Sul. Trad. Ernestine Marie Bergmann e Wiro Rauber. Intro. Júlia S. Teixeira. Pref. Henri Lange. Porto Alegre, Martins Livreiro, 1989.
BORDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1998.
NEVES Erivaldo Fagundes. História Regional e local: fragmentação e recomposição da história na crise da modernidade. Universidade Estadual de Feira de Santana; Salvador: Arcádia, 2002.
RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. História Regional: dimensões teórico - conceituais. História: Debates e tendências. V. nº1, Passo Fundo, junho de 1999.
REICHEL, Heloisa Jochims; GUTFRIEND, Ieda. As Raízes Históricas do Mercosul. São Leopoldo; Ed. UNISSINOS, 1996.
RÜCKERT, Aldomar A. A trajetória da terra: ocupação e colonização do centro-norte do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ediupf, 1997.
SOARES, Mozart Pereira. Santo Antônio da Palmeira: apontamentos para a história de Palmeira das Missões, comemorativos do primeiro Centenário de sua emancipação política. 2ª ed. Porto Alegre: AGE, 2004.
VISCARDI, Claudia Maria Ribeiro. História, Região e Poder: a busca de interfaces metodológicas. Locus: Revista de História de Juiz de Fora. Vol. Nº 01.
ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do planalto gaúcho 1850 – 1920. Ijuí: Ed
Notas:
[1] Apoiados em Ardenghi (2003, p. 68) definimos caboclos como “moradores das áreas rurais, dedicados ao extrativismo ou ao cultivo de pequenas lavouras (...)”.