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Ocupação Histórica: Missões jesuíticas

 

 

Henrique Pereira Lima

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Imagem: Divisão Politica do Rio Grande do Sul em 1822.

Fonte: CAMPOMAR (1942).

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1. O território missioneiro em Palmeira das Missões.

 

A delimitação do território missioneiro no Rio Grande do Sul, é um tema muito debatido e, ainda em aberto, dada “à imperfeição dos mapas da época, à inexatidão dos instrumentos de medida, que tornaram as localizações imprecisas, à duração efêmera de muitos aldeamentos, [...] (SOARES, 2004, p. 77). Entretanto, a presença jesuítica e de índios missioneiros, não é desconhecida, tão pouco, negada no Planalto, pois “desde as primeiras décadas do século XVII, até a guerra que expulsou os índios missioneiros, entre 1753 a 1756, a região norte deste estado, até a área do Mato Castelhano esteve povoada por estâncias e ervais. [...]”. (FRANCISCO, 2006, p. 47).

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O território antigo de Palmeira das Missões, desde que se tornou o 5º Distrito do município de Cruz Alta, em 1834, suscitou especulações diversas sobre a possibilidade de ter sediado um estabelecimento jesuítico, da primeira fase (1626-1685), mais precisamente, a de Santa Teresa. Contudo, ainda que ocorram suposições, “Parece fora de dúvida que nenhuma dessas reduções esteve localizada no município de Palmeira das Missões [...]” (SOARES, 2004, p. 76).

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A presença missioneira no Planalto rio-grandense, em pesquisas recentes, determina que “[...] a região entre os rios Inhacorá e Passo Fundo no extremo norte do estado esteve povoada pelos ervais do povo de Santo Ângelo, entre o primeiro e o rio da Várzea e pelos ervais do povo de São Lourenço, entre este e o rio Passo Fundo.” (FRANCISCO, 2006, p. 47).

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Neste sentido, o território que hoje corresponde a Palmeira das Missões, e que já pertenceu, desde sua criação em 1874, está compreendido entre os rios Inhacorá e Várzea, região correspondente aos ervais de Santo Ângelo, enquanto que o território compreendido entre o rio da Várzea e Passo Fundo pertencia ao Povo de São Lourenço.

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Sobre o rio Inhacorá, para melhor determinar a área citada por FRANCISCO (p. 47), observamos que o mesmo, conforme o Mapa Escolar do Estado do Rio Grande do Sul (IBGE 2010), o rio Inhacora desagua no rio Burica, próximo do município de Alegria. Contudo, o mapa de Maximiliano Beschoren de1886 (BESCHOREN (1989, mapa anexo) enceta que um arroio denominado Arroio Buricá (que não é o rio Buricá atual que desagua no rio Inhacorá, e é este rio que segue seu curso como este nome até o rio Uruguai. Deste modo, optamos por destacar o trajeto do rio Inhacora, de sua nascente até o rio Uruguai, conforme Beschoren.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Imagem: Localização do território Missioneiro no Planalto Gaúcho (Linha à esquerda – rio Inhacorá; Linha do meio – rio da Várzea; linha á direita – rio Passo Fundo.) (criado com o Programa Google Pams Angine Lite – 2015).

Fonte: https://www.google.com

 

 

 

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No mapa de Beschoren, o rio Inhacorá é assinalado desaguando no rio Uruguai, em direção, percorrendo a direção noroeste, conforme a cartografia atual. Desde modo, para melhor identificar o território compreendido entre este rio e o rio da Várzea, aquele tem sua trajetória assinalada, conforme o mapa a seguir.

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Imagem: Excerto do mapa Originalkarte des Nordwestlichen Teiles der Brasilianischen Provinz São Pedro do Rio Grande do Sul (1886)

Fonte: BESCHOREN, Maximiliano (1989, p. 203).

 

Assim, se por um lado há dúvidas sobre a existência de uma redução jesuítica no território de Palmeira das Missões e, que de fato, há muitos estudiosos que não veem essa possibilidade, por outro, o território era plenamente integrado ao contexto jesuítico missioneiro. Os ervais da região eram conhecidos e explorados desde a primeira fase missioneira.

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1.2. A Redução de Santa Teresa.

 

Santa Teresa é o nome da hipotética redução jesuítica que teria existido neste território, no primeiro ciclo missioneiro. Entretanto, “não existem vestígios conhecidos de nenhuma delas, com exceção de fortificações de pedra junto ao Passo do Rio da Várzea, nas proximidades de Pulador, onde antigamente havia uma capela, chamada de São João Pequeno.”. (ORDEM DO CARMELO Descalço, 2009). 

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Sobre este estabelecimento, cita-se que diversos pesquisadores “[...] que estudaram o povoamento do Continente de São Pedro, divergem quanto à localização, porém existe a concordância que foi nesta região que se instalou o posto mais avançado dos povos das Missões.” (ORDEM DO CARMELO Descalço, 2009). 

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Deste modo, o estabelecimento das reduções jesuíticas mais orientais do Rio Grande do Sul estabeleceu-se na região que daria origem ao território do município de Passo Fundo. Contudo, qualquer análise sobre este tema tão debatido, ainda é delicado, devido a carências de fontes e a imprecisão cartográfica da época jesuítica. Deste modo, busca-se elencar algumas informações sobre esta redução, que foi:

 

Fundada depois da visita do Superior Padre Romero e do Padre Pedro Mola, em fins de 1632, [...] [no Povinho Velho] na direção de Lagoa Vermelha [transferida] pelo jesuíta Francisco Ximenes, que se tornou seu verdadeiro fundador em 1633. Situava-se conforme Olyntho Sanmartin ao norte do Alto-Várzea, próximo à localidade de Bela Vista, antigo município de Passo Fundo. Possivelmente no chamado Rincão do Pessegueiro.

 

Neste interim, a redução de Santa Teresa, em 1632, teria ocorrido no futuro espaço de Passo Fundo “[...] próximo as nascentes do rio Jacuí [...][1]” (FELIZARDO, s.d., p. 15). De forma mais clara, temos que “naquele período, a região onde hoje se encontra a atual cidade de Passo Fundo era conhecida como ‘Santa Tereza de los Piñales’ (denominação espanhola) ou ‘Curiti’ (pinhais em guarani).” (BARICHELLO, 2006). Também é significativo que o “Rincão do Pessegueiro, hoje [é] pertencente ao município de Ernestina, em pleno território controlado pelos índios tapes [...]” (MONTEIRO, 2007, p. 55), cultura guaranítica, com os quais os jesuítas já possuíam longa e construtiva comunicação, uma vez que a região de :

 

Povinho Velho, próximo às nascentes do Rio Jacuí Grande ou Jacuí Verdadeiro e do Rio Passo Fundo ou Uruguai Mirim, que significa Uruguai Pequeno [era dominado por] caingangues, que dominavam as matas e serras adjacentes e com os carijós, no Campo do Meio, que não aceitaram a pregação dos padres espanhóis e passaram a hostilizá-los [...]. (MONTEIRO, 2007, p. 55).

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A partir destes dados, pode-se ponderar que, embora Santa Teresa, não tenha se instalado em terras palmeirenses, estas estavam integradas ao contexto missioneiro, uma vez que, na primeira fase das missões rio-grandenses, mantiveram-se estabelecimento a oeste, mas também a leste de seu território. Enquanto isso, na segunda fase, o território passou a ser um “quintal” da região dos Sete Povos das Missões, que aproveitaram os ervais da região, apropriando-se do mesmo, e integrando o espaço àquele contexto sociopolítico e cultural.

 

1.3. O espaço missioneiro como construtor de identidade

 

A identidade sociocultural de uma comunidade não é um elemento natural. Consiste sim, em uma construção cultural, cujo processo, intenção, fundamentações, são particulares a cada comunidade. Portanto, comunidades diferentes constroem identidades distintas. Este processo construtivo apenas possui em comum à todas as construções de identidade, uma “[...] relação intrínseca com a diferença, pois a identidade não existe sem a diferença [...] é sempre construída em comparação com outras identidades [...]”.(SILVA e SILVA, 2005, p. 204).

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Ao ponderarmos o espaço missioneiro do Rio Grande do Sul, podemos percebê-lo como uma região que se identifica com o processo histórico-social jesuítico-guarani, de forma tão intensa, que acaba por constituir-se em também, em um recorte geográfico. Esta condição, permitiu o surgimento de músicas e poesias regionais, em um turismo especifico, que ao mesmo tempo em que se alimenta desta identidade, também a fortalece. Portanto, a região dos Sete Povos das Missões de hoje, constituiu-se a partir da construção de uma identidade que se aproveitou da historicidade missioneira cuja denominação “Missões”, carrega consigo desde o inicio da organização administrativa do Rio Grande do Sul, em 1809, pela Coroa Lusitana. Longe de nega-la, esta história foi resgatada, preservada e divulgada, como um patrimônio.

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Assim, a região construiu um mecanismo de identificação para as diferentes cidades que a compõe, permitindo o nascimento de um sentimento de pertencimento à uma história e a uma sociedade, diferente de outras identidades possíveis, dentro do próprio estado.

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Contudo, este processo de construção não esta isolado de tendências e critérios hegemonicamente selecionados, fora do contexto regional. Há situações em que, um poder central, seja politico ou intelectualmente dominante, determina as bases das identidades, tanto na esfera nacional, quanto na esfera regional e local. E é nessa conjuntura que a historiografia do Rio Grande do Sul e a construção as identidades regionais se insere.

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No “contexto pós-1920, marcadamente nacionalista não mais se queria lembrar as estreitas relações do Rio Grande do Sul no início de sua história com a região platina”. (Gutfriend, 1998, p. 22, 23)[2]. Nesse sentido, a regra geral da história escrita a partir deste período, foi atribuir a formação sócio histórica do Rio Grande do Sul, exclusivamente aos portugueses e aos lusos portugueses. À esta corrente, atribui-se a denominação matriz lusitana. Sua antagonista, denominou-se matriz hispânica, e defendia que, neste processo, ao lado do lusitanismo (visto como hegemônico), também havia traços culturais e históricos de origem espanhola, ou hispano-americano.

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A construção da identidade rio-grandense possuía, portanto, como tendência geral a busca pela integração do local ao nacional, promovendo o afastamento do Rio Grande do Sul do Prata, vinculando-o [exclusivamente] à Coroa Lusa”. (Gutfreind, 1998, p. 23). Como alternativa, havia a matriz hispânica.

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Em muitas obras históricas regionais, o lustanismo foi e ainda é, uma corrente hegemônica, exclusiva, segundo a qual, a história rio-grandense inicia-se com a fundação do Forte Jesus-Maria-José, em 19 de fevereiro de 1737. Nega-se, portanto, a historicidade indígena e missioneira.

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Contudo, esta tendência, nunca foi exclusiva, embora constitua-se na mais expressiva. A construção histórica e identitária promovida na região missioneira do Rio Grande do Sul atesta esta condição. Naquele espaço, há um sentimento de pertencimento, cujo mito fundador é a organização das Missões Jesuíticas do século XVII. Assim, a identidade missioneira parte de um processo sócio-político, que se converteu em atributo cultural.

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Em outros espaços e regiões do Rio Grande do Sul, a matriz lusitana governou única.

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Com relação á produção historiográfica sobre o planalto rio-grandense, há uma tendência em relacionar a origem de um município ao processo histórico do qual se desmembrou. No caso, todo o Planalto e até a Região Missioneira, pertenceram ao município de Rio Pardo, de origem lusitana. Deste modo, muitos historiadores e memorialistas estabelecem esta relação.

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No caso de Palmeira das Missões, sua historicidade enquadra-se na ótica lusitana. Embora não seja negada sua ligação com o contexto missioneiro, esta não é explorada. Nesta construção, o mito fundador do município repousa sobre a expedição militar de Athanagildo Pinto Martins, de 1816, paranaense de origem luso-brasileira.

Ainda, pode-se ponderar que a matriz cultural local, fundamenta-se em um processo socioeconômico (cadeia produtiva da erva mate), na qual, tanto os espanhóis, missioneiros, portugueses, ext., se envolveram. A partir dela, constrói-se uma identidade cultural (não hegemônica), cuja maior expressão é o Festival Nativista Carijo da Canção Gaúcha

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Deste modo, embora a historicidade do território palmeirense esteja conectado a dimensão histórica e espacial das Missões Jesuíticas, pouco se pesquisou este aspecto. Em varias situações, esta condição é descrita como lendária, ou reduzida a especulações, favorecendo, assim, a perspectiva lusófona da história local.

 

Referências:

 

BESCHOREN, Maximiliano. Impressões de viagem na província do Rio Grande do Sul. Trad. Ernestine Marie Bergmann e Wiro Rauber. Intro. Júlia S. Teixeira. Pref. Henri Lange. Porto Alegre, Martins Livreiro, 1989.

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MONTEIRO, Paulo. De Campos abertos à emancipação de Passo Fundo. In: LECH, Osvandré (Org.). 150 momentos mais importantes da história de Passo Fundo. – Passo Fundo: Méritos, 2007. Disponivel em:< http://www.apletras.com.br/site/images/revistas/livro-150-momentos.pdf.. Acesso em 08 de ago. de 2015.

 

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. Mapa Escolar do Estado do Rio Grande do Sul 2010. Vamos Contar! Censo 2010 nas escols.

 

ORDEM DO CARMELO Descalço – Província São José – Brasil. A Redução de Santa Teresa. 2009. Disponível em:<. http://provsjose.blogspot.com.br/2009/11/reducao-de-santa-tereza.html>. Acesso em 08 de ago. de 2015.

 

BARICHELLO, Sandra Mara. Redução de Santa Teresa. Proheto Passo Fundo. 2006. Disponível em:< http://www.projetopassofundo.com.br/principal.php?modulo=texto&con_codigo=19703&tipo=texto>. Acesso em 09 de agos. de 2015.

 

SOARES, Mozart Pereira. Santo Antônio da Palmeira. 2 ed.- Porto Alegre: AGE, 2004.

 

FEPAM - Fundação Estadual de Proteção Ambiental. Qualidade ambiental: qualidade das aguas da Bacia Hidrográfica do Rio Jacuí. Disponível em:< http://www.fepam.rs.gov.br/qualidade/qualidade_jacui/jacui.asp>. Acesso em 23 de agos. de 2015.

 

Região Hidrográfica do Uruguai. Disponível em: http://www.fepam.rs.gov.br/qualidade/regiao_uruguai.asp. Acesso em 07 de agos. de 2015.

 

FRANCISCO, Aline Ramos. Selvagens e intrusos em seu próprio território: a expropriação do território Jê no sul do Brasil (1808-1875). – Dissertação (Mestrado) – UNISSINOS, 2006.

 

GUTFREIND, Ieda. Historiografia rio-grandense. 2ª Ed. Porto Alegre: Ed. Universidade UFRGS, 1998.

 

SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. 2ª. Edição. São Paulo: Contexto. 2005.

 

FELIZARDO, Júlia Netto, org. (s.d.). Evolução administrativa do Rio Grande do Sul (criação dos municípios). Porto Alegre: Instituto Gaúcho de Reforma Agrária.

 

Imagens:

 

Imagem: Localização do território Missioneiro no Planalto Gaúcho (Linha à esquerda – rio Inhacorá; Linha do meio – rio da Várzea; linha á direita – rio Passo Fundo.) (criado com o Programa Google Pams Angine Lite – 2015). Fonte: https://www.google.com. Disponível em:< https://www.google.com/maps/d/ edit?mid=zJKyv5JXqVHM.kqrhieHGDw7s>. Acesso em 09 de ado. De 2015.

 

Imagem: Áreas indígenas: Fonte: http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br. Áreas Indígenas. Disponível em:<:http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/ conteudo.aspcod_menu_filho=804&cod_menu=800&tipo_menu=MEIO&cod _conteudo=1576.>. Acesso em 08 de ago. de 2015.

 

CAMPOMAR, João C. Província de São Pedro do Rio Grande do Sul – 1822, 1942. Disponível em:<http://ihgrgs.org.br/mapoteca/cd_mapas_rs/CD/imagens /mapas/cap_4/cap_4.1/images/581-325.jpg>. Acesso em 23 de agos. de 2015.

 

 

Notas:

[1] “O rio Jacuí tem suas principais nascentes localizadas no Planalto, cerca de 10 km a leste da cidade de Passo Fundo, numa altitude aproximada de 730 m.”. (FEPAM, 2015).

[2] . Esse modelo persistiu “na conjuntura histórica entre 1920-1970, e inclusive posteriormente, [...] [buscando] criar uma identidade brasileira para o gaúcho e fazer frente às acusações de castelhanismos imputadas, desde há muito, aos sul-rio-grandenses”. (Reichel, 2006, p. 251).

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