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POLÍTICAS PATRIMONIAIS

 

 

Henrique Pereira Lima

 

 

Toda a política pública é, antes de tudo, uma política de Estado. Através desta ponderação, sugere-se que as políticas públicas para o patrimônio, ou educação, por exemplo, é pensada, fomentada e direcionada a consolidação de um projeto político que, parte fundamentalmente dos interesses do Estado e de sua forma de perceber e organizar a sociedade e não, necessariamente, dos interesses e demandas desta sociedade. A preocupação do Estado, portanto, em garantir meios de preservação patrimonial (História, documentação, etc.) pode estar muito mais voltada a um esforço de legitimação de uma forma de exercício do poder sociopolítico e econômico, do que a valorização da sociedade.

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O Império do Brasil, segundo Fernandes (2013, p. 2) inaugura, no Brasil, a preocupação da preservação da história do país, através, segundo Fernandes (2013, p. 6) “[...] da criação de Institutos Históricos como ‘lugares de memória’ [...] precursores da política patrimonial.”.

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Esse processo seria guiado pela “[...] construção da memória em nosso País [...] ligada à própria formação do estado nacional no século XIX”, através de suas instituições de notáveis: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), e o Arquivo Nacional (1838), que segundo Fernandes (2013, p. 2) já estava “[...] previsto na primeira Constituição do Império, que tinha como tarefa básica a sistematização da documentação indispensável à construção do passado (art. 70 da Constituição de 1824).”.

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Estando estas duas instituições vinculadas de certo modo ao poder político nacional (Estado Monárquico), absorveram suas demandas que gravitavam, prioritariamente, em torno da unidade nacional, origem do nacionalismo (pois cada Província era quase que absolutamente autônoma umas das outras), brasileiro e fundamentalmente, a legitimação de um Estado Centralizado. Enquanto o Arquivo Nacional dedicava-se a coletar e preservar uma vasta documentação, dispersa pelo mundo, mas relacionados, de algum modo ao Brasil, o IHGB chamou para a si a responsabilidade de interpretar e justificar a nação.  Conforme Fernandes (2013, p. 5):

 

[...] O grande objetivo dessa instituição de memória era construir a História da nação, recriar um passado homogêneo, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos históricos, constituir a galeria dos "heróis nacionais", através do estudo, pesquisa e elaboração de biografias, capazes de fornecer às gerações futuras exemplos de civismo, patriotismo e devoção à Pátria.

 

O IHGB desempenhou o mais destacado papel na construção do modelo de brasilidade, não apenas ao Estado, mas, sobretudo, aos indivíduos, através da elaboração de um discurso formatador da História Nacional, que se pautava, sobretudo na herança lusa, unidade territorial e na ideia de progresso natural da civilização brasileira (de Colônia para Nação) organizada em torno da ação política sobre as demais instâncias da vida social. Conforme Fernandes (2013, p. 6) uma “[...] História do Brasil que, como pretendiam seus construtores, era única e objetivava legitimar o estado monárquico em seu processo de centralização política. [...]. A História ali produzida se conformaria enquanto "tradição". Nesse sentido, o patrimônio sociocultural brasileiro e a própria importância dos indivíduos nessa sociedade dependiam de sua proximidade coma s esferas políticas lusas, ou brasileiras. Sendo que a própria história, escrita de forma verticalizada, era vista como singular, ou seja, apenas algumas classes sociais tinham história. E seria a partir dessa história que os bens do patrimônio nacional seriam consagrados.

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Entretanto, a ideia de preservação patrimonial apenas começaria a ser definida com contornos mais nítidos, segundo Fernandes “[...] em meados da década de 10 do século XX, [quando] alguns setores da sociedade começaram a se preocupar em preservar bens artísticos e arquitetônicos representativos da cultura brasileira.”.  A partir desse período, a preocupação com a definição e preservação do patrimônio nacional passa a ser uma pauta sempre presente nas esferas políticas e sociais, a exemplo da Semana da Arte Moderna de 1922. O “porém” desse esforço, contudo, é que a Constituição de 1891, que previa o direito a propriedade, era, no âmbito Federal visto como um elemento proibitivo às ações de elaboração de políticas de preservação patrimonial (àquela época, a noção de patrimônio vinculava-se de forma quase hegemônica as perspectivas arquitetônicas e bens materiais). Por isso, muito do esforço preservacionista através de políticas públicas deu-se no âmbito estadual.

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A Revolução de 1930 pode ser considerada como o marco definidor de uma nova forma de perceber, pensar e legislar sobre o patrimônio nacional. È indissociável que a política de Vargas, em seu modelo nacionalista e ditatorial, imprimiu uma nova política pública aos bens culturais da nação. Conforme Fernandes (2013, p. 9, 10), foi “em 1934 [...] o de nº 24.375- iniciou a organização de um serviço de proteção aos monumentos históricos e às obras de arte tradicionais do País. A ‘Inspetoria de Monumentos Nacionais’ [...]. Teve curta trajetória, pois suas funções foram posteriormente assumidas pelo SPHAN.”[1].

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Nesse momento, assim como no século XIX, há um conteúdo político imerso em tais políticas e instituições. A manipulação social passava, entre outras instancias, pela definição do patrimônio simbólico pelo qual a Pátria era cultuada e seus líderes reconhecidos. Se a associação fosse bem sucedida à nação, questionar os lideres, seria como questionar (fragilizar) a própria nação.

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Assim, dos séculos XIX e até final do XX, as políticas públicas para o patrimônio eram pontuais, embora a Era Vargas tenha dado maior fôlego a estas políticas. Entretanto, o conteúdo político destas ações privilegiaram bens materiais vinculados ao exercício do poder no Brasil, desde a época colonial e que à época de criação de cada lei patrimonialista, voltava-se mais Às necessidades do exercício do poder político do período, do que às necessidades e demandas da sociedade brasileira.

 

 

Referências:

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FERNADES, José Ricardo Oriá. Muito antes do SPHAN: a política de patrimônio histórico no Brasil (1838-1937). Disponível em: <http://culturadigital.br/politicaculturalcasaderuibarbosa/files/2010/09/18-JOS%C3%89-RICARDO-ORI%C3%81-FERNANDES.1.pdf.>. Acesso em junho de 2013.

 

 

 

 

 

 

 

 

[1] SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Decreto-Lei nº 25,  de 30 de novembro de 1937.

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