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O Chirimindé

A expressão “Chirimindé” designa uma canção de trabalho. Assim como ocorre em outras regiões do Brasil e, do próprio Rio Grande do Sul, a organização coletiva em torno de uma determinada atividade produtiva ensejou a criação de cantigas que de certo modo, davam o ritmo do trabalho.

Recolhida por Luís Carlos D’Ávila Paixão Cortes e Luís Carlos Barbosa Lessa no principio do trabalho de investigação sobre o folclore rio-grandense, no final dos anos 40 e inicio dos 50 do século XX. Como cenário deste trabalho, figuram as matas do Alto Uruguai, local conhecido desde o século XVII pela riqueza de seus ervais e, mais tarde, pelo contingente de ervateiros que de forma artesanal, colhiam e beneficiam a erva mate nativa, tendo como referência urbano-histórica, Palmeira das Missões.

Após ser identificada e, recolhida por Paixão Cortês e Barbosa Lessa, foi musicada inúmeras vezes, como, por exemplo, pelo Grupo Vocal Farroupilha (1953); Lourdinha Brasil (1956) e, conforme Filho (2002, p. 6) pelo próprio Paixão Côrtes e Barbosa Lessa em 1957, quando grafaram em disco a “cantiga-de-trabalho dos ervateiros”.

Quanto a gravação desta canção, é notório que sua circulação, apesar do caráter estritamente regionalista, voltava-se à esfera nacional. “Chirimindé”, nesse sentindo, foi resgatada e inserida no contexto mais amplo do folclore brasileiro. Conforme a Revista do Rádio (1956, p. 32), “para os apreciadores do gênero folclórico, Lourdinha Brasil gravou na Polydor, "Rei do Congo", canto de saudade negro recolhido por Jayme Griz e "Chirimindé", cantiga de ervateiros gaúchos, recolhida por Barbosa Lessa e Paixão Cortes.”. Era, nesse momento, que o Brasil mostrava-se culturalmente plural, constituído por dezenas de realidades regionais e milhares de realidades locais.

Com relação ao trabalho de pesquisa da canção “Chirimindé”, Mattos (2005, p. 134) aponta que:

 

Lessa afirma que seu colega Paixão Cortes e ele próprio percorreram sessenta e dois municípios do Rio Grande do sul para realizar a coleta de canções folclóricas e que descobriram vários novos ritmos de dança e gêneros de canção, que ainda não tinham, sido revelados (...). Entre os gêneros e formas descobertas por Barbosa Lessa e Paixão Cortes estariam: o chamamé, a polca limpa-banco e alguns gêneros de cantigas-de-trabalho que (...) nem se sabia que existiam naquela região do Brasil, antes de sua pesquisa.

 

Dentro deste universo de pesquisas, a canção-de-trabalho “Chirimindé” é identificada por Paixão e Lessa. Um dado curioso é que o ritmo e a cadencia desta canção suscitou criticas em 1954, um ano após o lançamento do LP “Gaúcho”, por parte do renomado musico brasileiro Luiz Cosme, nascido em Porto Alegre, mas radicado no Rio de Janeiro. Para Cosme, “Chirimindé” teria uma musicalidade urbana, com forte pendor para o samba, descaracterizando-a como música folclórica.  Cosme (1954) assim se reportou em ensaio jornalístico no jornal Diário de Notícias:

 

Ora, das quatro músicas na face B, nota-se evidentemente um sabor urbanístico. No canto de ervateiros Chirimindé, e no Amargo, toada gaúcha, observa-se uma propriedade dos arranjos de Herivelto Martins, do Trio de Ouro, o que desvirtua certamente a autenticidade dos motivos regionais gauchescos.

 

A estas criticas de Luiz Cosme, Barbosa Lesa apresenta explicações e justificativas, ainda em 1954. Deste modo, temos que, conforme Lessa (1954), Cosme:

 

(...) Destrói a primeira cantiga-de-trabalho gaúcha que se registrou em disco – Chirimindé – simplesmente porque certas passagens lhe fazem lembrar sambas de Herivelto Martins. Ora, que culpa nós temos se os ervateiros do Alto Uruguai são donos de alta sensibilidade artística? Cremos que se Luiz Cosme deixasse as delicias do Rio de Janeiro – onde hoje reside – e viesse se embrenhar, com uma gravadora nas costas, nos sertões do Rio grande, certamente mudaria de opinião.

 

Evidencia-se a distância existente entre o material recolhido na região do Alto Uruguai em pesquisas de campo e a teorização acadêmica de Cosme. Nas palavras de Lessa, a canção “Chirimindé”, em sua origem já possuía ritmo e arranjos peculiares.

         Quando nos voltamos à primeira experiência de gravação da canção ervateira, o próprio LP “Gaúcho”, trás relevantes informações acerca do material ali contido e sua vinculação com o folclore regional gaúcho. Assim temos:

 

“Gaúcho – é um novo ritmo bem brasileiro, lá dos pampas, que nos chega, agora, pela voz do Conjunto Vocal Farroupilha e que marcará uma nova etapa da valorização da música popular brasileira. (...) As melodias aqui interpretadas não tem sabor de produções urbanísticas, são autênticos motivos colhidos pelos lídimos representantes do “35” – Centro de Tradições gaúchas”.

 

Conforme indicado, a canção “Chirimindé” constitui um autêntico motivo folclórico recolhido pelo jovem 35 CTG de Porto Alegre que, através de seus líderes intelectuais, notadamente Paixão Cortes e Barbosa Lessa, resgataram um plêiade de costumes, hábitos e manifestações culturais rio-grandenses, cuja poeira do tempo teimava em encobrir – até desaparecerem.

Assim temo a seguinte letra da canção “Chirimindé”, conforme o LP “Gaúcho”, de 1953:

 

 

Chirimindé – cant. De ervateiros.

Luiz Carlos Barboza Lessa e

J.C. d’Ávila Paixão Cortes.

 

Ai, mates o que matar

Ai, leves que o que levar

O couro da caça é meu

O couro da caça é meu

O couro da caça é meu

O couro da caça é meu

 

Levantei cedo, chirimindé

Bem de madrugada, chirimindé

Fui largar cachorro, chirimindé

Nas terras de prata, chirimindé

Cachorro grunhiu, chirimindé

Decerto é anta, chirimindé

Anta não é, chirimindé

Então é bugio, chirimindé

Bugio não é, chiriminde

Tinha os dentes pretos, chirimindé

O dente é preto, chirimindé

Então é cateto...

Ai, mates o que matar

Ai, leves que o que levar

O couro da caça é meu

O couro da caça é meu

 

Menina que vai embora,

Menina que vai embora,

Menina daqui não sai

Menina daqui não sai

Menina que ir embora

Pros campos de Nonoay

Pros campos de Nonoay

Pros campos de Nonoay

Pros campos de Nonoay...

 

Imagem: Contracapa do disco “Gaúcho” – 1953.

Fonte: Minhateca.com.br.

 

                              

Referências:

 

COSME, Luiz. Música popular do Sul. Especial para o Diário de Noticias. Rio de Janeiro, 25 de julho de 1954. Disponível em:< http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=tematico&pagfis=34685 &pesq =.. Acesso em 02 de agosto de 2016.

 

FILHO, Mendes Ribeiro. Pronunciamento do Deputado Federal Mendes Ribeiro     Filho, PMDB/RS em 11 de abril de  2002.

 

LESSA, Luis Carlos Barbosa. Música Popular do sul. Correio do Povo, Porto Alegre, 07 de agosto de 1954.

 

MATTOS, Fernando Lewis de. Estética e música na obra de Luiz Cosme. Tese. UFRGS, 2005.

 

MINHATECA. Contracapa do Disco “Gaúcho” (1953). Disponível em: http://minhateca.com.br/neliosilva64/MUSICA/GAUCHAS/DISCOGRAFIA+CONJUNTO+FARROUPILHA/Conjunto+Vocal+Farroupilha+-+1953+-+Ga*c3*bacho/05+-+Chirimind*c3*a9,768536232.mp3 (audio). Acesso em 03 de agosto de 2016.

 

REVISTA DO RÁDIO.  “Notas Soltas”. 19 de maio de 1956. Disponível em:< http://memoria.bn.br/pdf /144428/per144428_1956_00349.pdf.. Acesso em 05 de agosto de 2016.

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