POR QUE PÉ NO CHÃO?
O NASCIMENTO DO “EPÍTETO”
Henrique Pereira Lima
O “Pé-no-Chão”, hoje, em Palmeira das Missões, corresponde prioritariamente a um patrimônio cultural de origem histórica. Ou seja: a interpretação do elemento histórico e sua posterior apropriação pela comunidade ocorrem em uma dimensão artística, através de músicas, poemas, monumentos, troféus, imaginário, etc.
A dimensão histórica do 3º Corpo Auxiliar da Brigada Militar apresenta-se de forma limitada, se comprada com a artística na comunidade. As fontes históricas e as análises historiográficas desta temática são pontuais no contexto local, circunstância que contribuiu para a sobreposição dos aspectos artístico-culturais sobre os históricos.
Neste contexto, o “Pé-no-Chão” e seu cabedal cultural possui maior inserção no imaginário local do que o 3º Corpo Auxiliar e seu contexto histórico. Ainda que “Pé-no-Chão” seja apenas um apelido do 3º Corpo Auxiliar de 32, sugere-se haver uma distinção no imaginário sociocultural local entre o aspecto histórico (3º Corpo) e o aspecto cultural (“Pé-no-Chão” como uma reinterpretação do fato histórico).
Há certa “aura” de idealização desta historicidade, assim como ocorre em diversos processos de reinterpretação histórica, os quais, nesta perspectiva, acabam produzindo um “sujeito” com raízes históricas, mas contornos idealizados. Nesta construção, aspectos históricos podem ser negados, acrescidos, ou então, enfatizados, sugerindo que, por vezes, a interpretação tem mais poder imagético, mais cores do que o fato histórico, tornando-a mais sedutora e mais “útil” aos processos de constituição de identidades (processos que, por vezes, coadunam aspectos políticos).
O “Pé-no-Chão” (apelido) possui certo apelo imagético e atribui ao 3º Corpo Auxiliar uma formatação “atraente” de história, radicada no inusitado, diferente, audaz: marchar e combater de pés descalços – por opção, além de empregar o facão contra metralhadoras e fuzis. Há registros históricos que notabilizam alguns aspectos, considerados peculiares:
“[...] Seus homens, pouco acostumados ao uso da botina ou do borzeguim, campeiros que eram em sua maioria, andavam quase sempre descalços, com o calçado preso ao equipamento, como se fosse peça acessória deste. E, assim, faziam suas arrancadas homéricas, lutando às vezes até a facão, levando o adversário de vencida, derrotando-o fragorosamente e cooperando, de maneira elevada, para a vitória das armas legais e restabelecimento da ordem” (RIBEIRO, 1987, p. 267).
É importante frisar a associação de duas dimensões distintas – mas complementares – na interpretação tradicional acerca da atuação do 3º Corpo. A primeira delas é a histórica, pautada em ações e condições geográfica e temporalmente estabelecidas. A segunda é a carga laudatória de sua ação, potencializada por descrições eivadas de adjetivações à conduta militar, sobretudo dos líderes, o que é representativo de uma perspectiva historiográfica tradicional.
A descrição de Mendes em “O Pé-no-Chão: o pé de Palmeira no chão de São Paulo além destas dimensões, traz alguns apontamentos mais amplos, alcançando a relação entre o 3º Corpo e outros regimentos do Setor Sul, inclusive, especulando sobre as impressões paulistas:
A esse tempo, os soldados do exército, as brigadas militares da Paraíba e Pernambuco, além doutras tropas da Frente Sul, começaram a prestar atenção ao modo por que os soldados do 3º Corpo portavam seus calçados.... Interessante! Não levavam nos pés. Prendia-nos à cinta, para não perdê-los e, andavam todos descalços – pés-no-chão. A mesma observação faziam, segundo se veio a saber os paulistas, em face dos rastos, que notava, de que uma gente daquelas andava descalça. E não só isso: notavam também que esses eram os homens que mais de perto os apoquentavam e ofendiam. Daí, o lhes darem o apelido de ‘pés-no-chão’, que pronunciavam com certo terror. O cognome pegou, e eis como e porque assim ficou conhecida a falange palmeirense, quer entre companheiros de luta, quer entre os inimigos e, mais tarde, por toda parte. (MENDES, 1958, p. 45, 46).
As fontes históricas a respeito do 3º Corpo são limitadas, estando restrita, em uma primeira análise, às vozes dos próprios personagens em luta e às produções historiográficas ou literárias contemporâneas. Esta circunstância, de certo modo exprime uma unidade informativa e interpretativa sobre o Corpo Provisório de Moura Assis durante a Revolução Constitucionalista. Porém, um olhar mais demorado sobre os provisórios palmeirenses naquele conflito, carece de fontes, pesquisas e reflexões.
Já a Revolução, por sua vez, é objeto de estudo sempre visitado e, nunca esgotado, permitindo a emergência de centenas de obras, históricas, literárias, etc., algumas convergentes, outras, diametralmente opostas. Em certo sentido, a dificuldade no levantamento de fontes históricas para a interpretação de recortes “locais”, ou específicos, é sintomática na História Local, uma vez que a tradição das macro-abordagens históricas, deixou, ao longo de seu processo produtivo, de olhar e, por vezes, desamparou as fontes, os olhares e as características locais.
Sobre o 3º Corpo Auxiliar, os registros esparsos denotam como característica comum, a prevalência de aspectos nobilitários da ação e conduta, não apenas terceriana, mas das forças federais como um todo, o que reforça a importância da investigação e compreensão das fontes históricas: Ribeiro (1987) e Mendes (1958) dividem mesmas perspectivas sobre esta construção, sendo que, Ribeiro teve acesso ao testemunho de Moura Assis, comandante do 3º Corpo Auxiliar, enquanto que Mendes, efetivamente participou da campanha.
REFERÊNCIAS:
MENDES, Nicolau. O pé no chão: o pé de Palmeira no chão de São Paulo. Porto Alegre: La Salle, 1958.
RIBEIRO, Aldo Ladeira Esboço histórico da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul: Outubro de 1930 a dezembro de 1961. Porto Alegre, Brigada Militar / M B M. 1987. V. 3.